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Blog do Amilcar

terça-feira, 24 de março de 2009

- a vida não é de se brincar pois em pleno dia se morre!( Disse Clarice)
Lispector e eu estamos tomando café em seu apartamento na tarde de domingo de mil novecentos e pedrinhas quando o gato siamês dela, lindo, gordo e extremamente dengoso surge no centro do seu apartamento miando sem parar.
- Que fofo! (disse eu). Nutro uma curiosidade alegre pelos gatos. Eles são independentes, ariscos, charmosos, misteriosos... (tomo um pouco de café para engolir o seco e continuar produzindo adjetivos para me referir aos bichanos)
Clarice o fita com cuidado, ele vai se aproximando e eles se abraçam. Ela acende um cigarro e ele dorme em seu colo.Eu dou um longo suspiro. O Brasil faz verão mas tarde da noite bate uma corrente fria la fora, e eu recolho-me em meu casaco e pensamentos. Acendo um cigarro também e compartilhamos juntas daquela fumaça agradável.
Silêncio! Não nos incomoda. Clarice escolhe um vinil e ao som daquela musica que me faz lembrar todos os filmes da minha vida começamos a brincar com as palavras que nos trazem paixão, dor e vicio! Em uma tarde do século vinte. Minha bisavó ainda esta viva e faz o que mais gosta de fazer em vida: fofocar com os vizinhos! Clarice começa a acariciar o bichano com uma agressividade carinhosa e com um olhar inexpressivo e eu sinto frio! Ela me conta o processo doloroso de G.H e eu querendo encontrar com minha barata dentro de um quarto escuro para re-começar a viver! Um sopro de vida surge no meio da conversa, é o gato que se assusta com algo (na verdade é o cigarro descuidado que cai por entre os dedos de Clarice e atinge o rosto do bichano). Ele corre pra longe sem olhar pra traz e vai buscar outro caminho . O café já esta frio pois eu estou com a estranha mania de balançar a xícara enquanto ouço o vinil, acho que para acompanhar o ritmo da musica.
Clarice cessa seu fluxo de pensamentos assim de repente, acende vários outros cigarros e vai colocar o lado B do vinil, enquanto isso caminho para a janela de seu apartamento de cobertura e olho para o chão, para a calçada, vejo um menino todo de preto caminhando na rua, sozinho, e eu fico acompanhando seus passos tentando brincar de decifrar seus pensamentos naquele instante. Seus passos são nervosos, apressados na medida em que suas pernas curtas de criança o permitem. Meus olhos estão mareados d’água. O menino cai no chão, atropelado por um outro ser animado que passa e lhe crava no peito um objeto pontiagudo. Eu o vejo caindo enquanto o outro corre pro nada. Clarice me traz uma taça de vinho e eu a bebo imaginando que aquele vinho é o sangue do menino morto na calçada. Dançamos a noite toda! Ah, o gato reaparece depois de algumas horas e se joga no meio da gente.